Após criar, em 2001, um programa de reciclagem de baterias, André Saraiva percebeu que estava diante de um negócio com potencial muito maior: a venda de energia. Em parceria com uma recicladora e uma fabricante, ele fechou o ciclo do produto fazendo surgir uma empresa que, além de recolher e reciclar, também se encarrega de fabricar e repor as baterias para os clientes, que não são mais donos do ativo, mas compram horas de energia.

Uma idéia puxou a outra, que puxou a outra. Quando ainda trabalhava em uma fábrica de baterias estacionárias e tracionárias, na década passada, André Saraivacomprava posições de chumbo – elementochave na fabricação do equipamento.

Em suas frequentes viagens ao exterior, ele via que lá os fabricantes já se preocupavam com o reaproveitamento dos resíduos que, no caso das baterias, servem de insumos para a fabricação de um novo equipamento.

Daí nasceu a idéia de reciclar, apoiada também na resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, do ano 2000, que orientava sobre a destinação adequada de pilhas e baterias ao final de sua vida útil.

Ainda dentro da fabricante, ele criou um programa segundo o qual o ganho aferido com a reciclagem fosse revertido para o preço final do produto. Denominado Prac– Programa de Responsabilidade Ambiental Compartilhada, ele não só funcionou como decolou. “Em 2001 nós tivemos 174 toneladas de baterias retornadas; em 2002, foram 330 t; em 2003, 540 t e, em 2004, batemos em 1,32 milhão de unidades. Isto signifi cava que tínhamos nas mãos, nesse ano, 70% de todo o chumbo de que precisávamos para produzir baterias em 2005. Saímos de18% de participação no mercado em 2002 para 38% do mercado brasileiro de reposição em 2004, através de um programa ambientalmente correto”, conta Saraiva.

Naquele ano, contudo, uma deliberação da direção da empresa fez com que as vantagens de ter a titularidade do insumo principal da bateria – o chumbo representa 60% do produto – não fossem repassadas para o consumidor fi nal. Este, por sua vez, respondeu deixando de consumir e de descartar com a empresa. Era o começo do fim. Nesse ano, o Prac caiu de 1,3 milhão para 980 toneladas. “Percebi que dali para frente seria ladeira abaixo e decidi não esperar mais”, explica o executivo.

A decisão foi deixar a antiga empresa e transformar o que até então era um programa ambiental em uma nova companhia, também chamada Prac, e estabelecer uma parceria direta com uma empresa recicladora, o que foi feito com a Tamarana, localizada na cidade paranaense de mesmo nome, que até então era apenas parte do programa anterior.

“Quando implementamos o Prac em 2001, tínhamos de ter uma recicladora que fosse referência, ou o programa não caminharia. Agora imagine a dificuldade de achar uma empresa que atendesse às normas do processo, que não são poucas. Havia somente oito empresas no Brasil e a Tamarana era a de maior conformidade. Apostamos no seu potencial e apostamos certo, pois hoje ela é a única no país a ter as certificações ISO 9.000, 14.000 e 18.000, e está entre as cinco melhores do mundo”, coloca Saraiva, ressaltando que esta qualidade ajudou o programa a deslanchar no início.

Criada a empresa e formada a parceria com a recicladora, veio outra vantagem que casou perfeitamente com a idéia: dois sócios da Tamarana são também sócios da Rondopar Energia Acumulada, fabricante de baterias estacionárias e tracionárias localizada em Londrina (PR). “Ora, se já éramos o programa de maior referência na destinação final e tínhamos a titularidade desses insumos – o chumbo e o prolipropileno, usado no corpo da bateria –, bastava mandá-los para a Rondopar e teríamos a bateria da Prac. Assim foi, e voltamos ao mercado não mais vendendo baterias, e sim energia”, explica Saraiva, detalhando o processo. “É como se você comprasse o direito de ligar e desligar seu carro por um ano e meio. A energia não é sua. Eu a coloco no seu veículo, você paga, mas ela é nossa. Quando ela acaba, eu troco o equipamento descarregado por outro com energia e o processo continua”, esclarece o diretor-executivo. Fechado o ciclo de descarte, coleta, reciclagem, remanufatura e revenda, foi criada uma malha logística de sobreposição.

Se anteriormente éramos acionados para o descarte, agora somos também para a reposição, que funciona como uma alimentação contínua”, reforça.

Desde que o Prac se transformou em empresa, em 2006, os números só crescem. “Logo no primeiro ano, foram mais de 1,4 milhão de toneladas recebidas, mais do que em nosso melhor ano dentro do fabricante anterior. Em 2008, foram 1,82 milhão de toneladas”, comemora Saraiva. Ele informa que o primeiro semestre de 2009 fechou com 600 toneladas e, dependendo do desempenho dos próximos meses, pode fechar o ano com 2,5 milhão de toneladas.

Tudo isso mesmo com a crise? Ele garante que, no seu caso, a crise pode funcionar como um estímulo. “Diante dela, as empresas começaram ou a retardar seus processos de compra ou a investir na manutenção daquilo que já tinham comprado, para postergar um pouco a aquisição. E é exatamente isso que encontram na Prac, já que não investem mais no ativo bateria e sim na energia consumida”, explica, ressaltando o que é uma vantagem em momentos como o atual, em que muitas empresas têm tido redução de atividade e preferempagar apenas por aquilo que foi efetivamente utilizado.

“Por incrível que pareça, vendemos mais na crise que em épocas mais tranquilas”, assegura o diretor, dizendo que a Rondopar fabrica baterias automotivas e estacionárias – que servem aos no-brakes e à telefonia, que hoje representam cerca de 60% de seu mercado, sendo os outros 40% formados por transportadoras e movimentação interna, já que as baterias automotivas servem também para empilhadeiras GLP.

E a logística? 

Na verdade, a logística por trás do sistema é bastante simples, e o foco principal é coordenar as entregas com os descartes e consolidar as cargas que vão para a recicladora. O ciclo começa quando o cliente aciona a Prac informando que tem produto disponível para o descarte. É feita uma avaliação da quantidade a ser recolhida, com prioridade para cargas maiores. Quando se trata de pequenos volumes, o prazo é um pouco maior, chegando a, no máximo, dez dias, para permitir um agrupamento de coletas sequenciadas, otimizando a operação. Dependendo da região, é acionada uma das quatro transportadoras credenciadas no programa para atender ao cliente.

“Se temos determinado chamado na região com material disponível, verifi camos com os demais clientes daquela mesma área se eles também têm produto para descartar. Mantemos contatos frequentes e vamos, assim, fazendo a composição das cargas nos vários clientes”, explica Edilson Ferreira Matos, coordenador de Logística  da Prac.

Se a formulação é simples, os cuidados no transporte são muitos. As cargas devem ser cuidadosamente compostas, porque a bateria, por sua classifi cação como produto corrosivo, não pode ser misturada com outros itens. O caminhão é identifi cado com o número UN do produto, de acordo com sua classificação, o motorista tem que ter curso MOPP (Movimentação Operacional de Produtos Perigosos) e todos os caminhões devem ter um kit de emergência.

Todas as empresas transportadoras credenciadas, além de terem seguro de danos, devem ser cadastradas no SOS Cotec, que em caso de acidentes vai até o local, faz o reparo dos danos e busca a anuência dos órgãos envolvidos, de acordo com a extensão do problema.

“Por conta de todas essas exigências, nem todas as empresas de transporte atendem aos requisitos.

Trabalhamos com quatro transportadoras: a PH Transportes, em São Paulo; a Telebrasil, que nos atende na grande São Paulo e em Sorocaba; a Ottis Transportes e a Rollon, que nos atendem no Sul”, conta Matos. O esquema também depende do local de retirada. “Quando se trata de coletas em fábricas, onde só existe uma atividade no ambiente e a bateria está em uma área  segregada, é fácil. Mas às vezes temos de retirar o equipamento no décimo andar de um edifício, ou em um banco, locais onde há a convivência com pessoas e riscos de contaminação, o que exige um esquema detalhado”, explica o especialista. Nestes casos, é feita antes uma visita, fotografado o local e montado um plano de operação, de forma a minimizar os riscos envolvidos.

“Relacionamos tudo: qual a condição que encontramos no local, como vamos operar, se a bateria será esgotada, se será desmontada, se tem elevador de carga ou terá de ser feito  içamento, entre muitas outras análises. Existem locais de difícil acesso, onde só podemos coletar à noite; existem outros em que precisamos da aprovação da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo) e lugares onde o truck ou carreta não entram, tem de ser veículo leve. Tudo isso difi culta bastante o trabalho”, coloca o coordenador.

CONSOLIDAÇÃO

As baterias descem para a Tamarana em carretas, que não circulam de cliente a cliente. Os produtos são consolidados nas próprias transportadoras, que por serem especialistas neste tipo de carga também sabem como armazená-la, formando ali um ponto de consolidação e transbordo. Esta etapa, porém, é rápida. Em média, informa o coordenador de Logística, os produtos não ficam mais de um dia entre a chegada do cliente e a partida para a recicladora. “A carga é diária. Preferimos segurar no cliente do que na transportadora, já que, até a
saída do usuário, a responsabilidade é dele, mas a partir do momento que sai é nossa. Por isso, quanto menos esta carga fi car conosco, melhor.” De São Paulo para cima, a carga é consolidada na capital paulista antes de ser enviada à recicladora. Já nos estados da Região Sul, as entregas seguem diretamente. Carretas só descem com carga completa, com 25 toneladas, ou são enviados trucks de 14 toneladas.

Em média, são realizadas entre nove e dez viagens por dia para a Tamarana.

A logística de coleta se sobrepõe à de entrega. Ao coletar, a transportadora já leva uma bateria nova. Dessa forma, é aproveitado o veículo, que recolhe as baterias usadas, uma forma encontrada para otimizar a utilização dos caminhões, que são voltados para este tipo de transporte.

E por que não fazer uma recicladora mais próxima de São Paulo, sem dúvida o grande mercado, que também está próximo de outros dois grandes mercados _ Minas Gerais e Rio de Janeiro _, evitando assim gastar combustível, o que também é ambientalmente condenável? “Porque dessa forma eu estaria desprezando a conformidade ambiental que a Tamarana me dá, que é a variável mais importante neste momento, muito mais que a distância. Porque um dano na reciclagem da bateria pode ser muito mais prejudicial ao meio ambiente do que a emissão de CO2”, coloca Saraiva, acrescentando que existe ainda a vantagem da proximidade entre a recicladora e a fábrica.

Ele diz também já ter cogitado a parceria com outro reciclador, trocando as baterias com as de outro concorrente que estivesse instalado em outra região, como o Nordeste, por exemplo. “Imagine que temos um concorrente lá que recolhe as baterias aqui e as leva até lá. E nós fazemos o caminho inverso. O mais lógico seria cada um atender ao cliente do outro em determinada região, com ele pegando minhas baterias e eu as dele. Porém, quem me garante que a qualidade e a segurança da reciclagem e de todo o processo serão as mesmas? É um risco que preferimos não correr por enquanto. Porque, para trocar o ativo, tenho que trocar também a responsabilidade, e isso ainda não conseguimos fazer. É preciso muita confiança, porque vendemos conformidade e não podemos assegurar um processo que desconhecemos e não controlamos”, enfatiza André Saraiva.

O mesmo problema impede, por enquanto, a terceirização dos serviços logísticos. “Já tentamos isso no passado e o cliente ficou na mão”, diz Saraiva, explicando que contratou um operador e ele quarteirizou a operação. “É complicado, mas acho que em médio e longo prazos a tendência é passarmos a operação para um terceiro. Mas deve ser um processo muito bem conduzido, com o mesmo cuidado que temos hoje. Porque cansamos de não ter feito o dano e sermos culpados por ele.”