A responsabilidade da Defesa Civil concentra-se em quatro etapas – ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas – e o papel dos municípios é fundamental para que se obtenha o resultado esperado no caso de catástrofes ambientais ou sociais
Desde o descobrimento do Brasil, muitas foram as leis e normas para regulamentar a tutela do meio ambiente, mas sempre focadas no interesse econômico extrativista.
Dentre elas podemos citar o Código Florestal de 1965 e a Política Nacional de Meio Ambiente (PNUMA) de 1981, provocando nesta época grandes enfrentamentos políticos e até diplomáticos. Nestes 20 anos observou-se um grande crescimento populacional desordenado, alimentado por uma cultura consumista exacerbada e uma cultura ambiental equivocada em relação à utilização dos recursos naturais, que acreditavam ser infinitos. Após os anos 80 iniciou-se um processo de reconhecimento científico de que estes avanços no desenvolvimento causaram um desequilíbrio ecológico com sérias conseqüências no ar atmosférico, no equilíbrio climático e nas nascentes, ou seja, afetou todo o ecossistema em virtude da destruição dos meios naturais que são fundamentais para a vida humana. Em 1988 foi promulgada a Constituição Federal Brasileira, tipicamente antropocêntrica (onde o homem é o centro do universo) recheada de artigos de proteção ambiental que, num primeiro momento, nos parece antagônica.
Porém, se analisarmos as ocorrências nacionais e internacionais de catástrofes socioambientais nos anos 60, 70 e 80, podemos entender a preocupação que os legisladores tiveram ao redigir as normas gerais que regulamentassem o comportamento dos brasileiros frente à realidade socioambiental, preservando a qualidade de vida das presentes e futuras gerações e impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente, visando o princípio constitucional do desenvolvimento sustentável.
A partir deste momento histórico tornou-se impossível dissociar os direitos humanos dos direitos ambientais, onde todos passaram a ter o dever de tutela ambiental.
Os bens ambientais deixaram de serem vistos como direitos individuais e coletivos e passaram a ser de interesse transindividuais. De acordo com a ilustre Dra. Teresa Cristina de Deus, doutorada em Direito Ambiental, “a flora gera interesses e direitos que ultrapassam os limites de indivíduos considerados isoladamente e passam a ser interesses e direitos transindividuais. Este reconhecimento da sociedade moderna pós-anos 80 revolucionou a história do direito, pois exigiu a reformulação e a evolução de conceitos ultrapassados, sendo certo que os contornos dos direitos transindividuais repercutem diretamente nas recentes leis do ordenamento jurídico brasileiro, os quais tutelam o meio ambiente, seja ele do trabalho, o cultural, o artificial ou o natural (flora).” Apesar do direito estar em consonância com os riscos ambientais, o homem deve sair do seu egocentrismo econômico e social e estender o olhar para a nova era do aquecimento global, com sucessivas catástrofes ambientais mundiais com danos à saúde pública planetária e com conseqüências patrimoniais e sociais irreversíveis.
E, por incrível que pareça, mesmo diante deste panorama a sociedade fica inerte, como se estivesse assistindo a um filme de ficção científica. Perceba, caro leitor, que a questão ambiental não é um problema legal e sim comportamental e cultural. O homem, muitas vezes, não vislumbra o meio ambiente como parte sistêmica, ou seja, uma integração entre vários fatores biológicos, químicos, físicos, culturais, econômicos, políticos e até religiosos que podem gerar tensões e desajustes sociais tecidos por uma rede de interdependência e co-responsabilidade que interfere nas questões de Segurança Pública. Minha vivência na área ambiental com logística reversa de baterias inservíveis, que engloba o transporte de um resíduo perigoso, fez com que estendesse meu olhar para os riscos ambientais decorrentes desta atividade e sobre os planos de emergência no caso de acidentes. Comprometido com a sustentabilidade, consegui, ao longo dos anos, todos os tipos de licenças ambientais através dos órgãos especializados, mas continuei a refletir sobre os riscos das operações e a forma mais rápida de solucionar um sinistro.
Escrevi na edição passada sobre “Seguro Ambiental” e percebi que existem muitos fatores que encarecem ou inviabilizam uma apólice de seguro – dentre elas destaca-se a falta de gestão de emergência atrelada aos riscos ambientais. E resolvi entender um pouco mais sobre Segurança Pública atrelada às questões ambientais e, desta forma, procurei conhecer um pouco da Defesa Civil Brasileira, que foi criada com o objetivo de prevenir, reduzir e remediar acidentes e desastres, inclusive os ambientais, bem como ter um plano de emergência multidisciplinar no âmbito nacional, estadual e municipal.
Em entrevista exclusiva no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, conversamos com o coronel da PM. Luís Massao Kita – secretário chefe da Casa Militar (alto comando), responsável pela Defesa Civil Estadual de São Paulo –, bem como com o major da PM Antônio Marcos da Silva, diretor estadual da Defesa Civil, pois precisávamos entender a hierarquia e a forma de comando e controle desta instituição, pois ela está sob a tutela dos militares. “É de suma importância a disciplina e a hierarquia militar, pois a Defesa Civil têm a prerrogativa de coordenar ações multidisciplinares nas questões de Segurança Pública, que envolvem a Policia Militar de forma geral, a Polícia Ambiental, o Corpo de Bombeiros, o SAMU e outras instituições que ficam sob minha tutela”, comentou o coronel Kita”. Ele destacou, também, que a responsabilidade da Defesa Civil concentra-se em quatro etapas – ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas – e que o papel dos municípios é fundamental para que obtenham o resultado esperado no caso de catástrofes ambientais ou sociais. O coronel explicou como se divide a Defesa Civil, começando pelo Sindec – Sistema Nacional de Defesa Civil, sob a coordenação da Secretaria Nacional de Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional, constituído por órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, do Distrito Federal e dos municípios, mais as entidades privadas e as comunidades que são responsáveis pelas ações da Defesa Civil em todo o território nacional, criado em 1988 e atualiado pelo Decreto Federal nº 5.376 de 2005. Integram o Sindec:
- Condec – Conselho Nacional de Defesa Civil, responsável pela formulação e deliberação de políticas e diretrizes do Sistema (órgão superior). É composto por um representante de cada Ministério e da Corporação da Segurança Nacional (marinha, exército e aeronáutica);
- Secretaria Nacional de Defesa Civil, responsável pela articulação, coordenação e supervisão técnica do Sistema (órgão central);
- Cordec – Coordenadorias Regionais de Defesa Civil, localizadas nas cinco macrorregiões geográficas do Brasil, responsável pela articulação e coordenação do Sistema regionalmente (órgãos regionais);
- Cedec – Coordenadorias Estaduais de Defesa Civil, responsáveis pela articulação e coordenação do Sistema em nível estadual (órgãos estaduais);
- Comdec e Nudec – respectivamente Coordenadoria Municipal de Defesa Civil e Núcleos Comunitários de Defesa Civil, responsáveis pela articulação e coordenação do Sistema em nível municipal (órgãos estaduais);
- Órgãos Setoriais: da administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal que se articulam com os órgãos da coordenação, com o objetivo de garantir atuação sistêmica;
- Órgãos de Apoio: órgãos públicos e entidades privadas, associações de voluntários, clubes de serviços, ONGs e outros, que apóiam os demais órgãos integrantes do Sistema.
- “Hoje, o grande desafi o da Defesa Civil está focado na área de comunicação”, disse o coronel Kita. Melhorar o sistema integrado de rádio, TV, computadores, internet e até rádio amador (no caso de pane em telecomunicações). Porém, existem ações isoladas que demandam muito esforço da sua equipe estadual que trabalha na conscientização das prefeituras sobre a importância de se ter uma Comdec na prática, e não só no papel.
- Assim explicou o major Antonio Marcos da Silva, diretor estadual da Defesa Civil do Estado de São Paulo: “a Defesa Civil é essencialmente um ajuda humanitária, é por este motivo que estamos lançando a campanha ‘Defesa Civil Somos Todos Nós’, sob a coordenação do Prof. Michel Chelala (coordenador de marketing).” Ele relatou em seu gabinete que pretende “profissionalizar” a Defesa Civil através de um plano de gestão que engloba:
- Plano estratégico de Defesa Civil (deve ser auditado);
- Centro de Gerenciamento de Desastres Municipais (proporcional ao tamanho das cidades);
- Mapeamento de ameaças naturais e tecnológicas digitalizado com foco em ações de prevenção, precaução, monitoramento e simulação de possíveis ocorrências e estoque estratégico de suprimentos emergenciais;
- Capacitação em recursos humanos (profi ssionalização);
- Sistema de Serviço Voluntariado para a Defesa Civil.
O major Antonio Marcos elaborou, também, o estatutodo Congedec – Conselho de Gestores da Defesa Civil, que é uma pessoa jurídica composta de mais de 20 estados. Ele é o representante de São Paulo, na tentativa de alavancar profi ssionalmente a Defesa Civil e, através do FUNDAP – Fundação para o Desenvolvimento Administrativo do Estado, conseguiu recursos para montar um curso à distância sobre Defesa Civil que foi planejado pela Coordenadoria Estadual da Defesa Civil (Codec – Estadual) para 1.500 pessoas e divulgará para as 645 prefeituras do Estado de São Paulo, até dezembro de 2008. Será realizado em dois módulos: (1º) como montar uma Comdec e (2º) a doutrina da Defesa Civil. Ele também lançará até o final deste ano o Comitê Estadual para estudos das ameaças naturais e tecnológicas, que terá como representantes pessoas da Secretaria de Governo e da sociedade civil organizada, autorizada por decreto estadual.
O major também mapeou os consórcios municipais de prefeitos e fará palestras incitando o comprometimento das prefeituras na criação real dos Comdecs. Para 2009, Antônio Marcos ainda pretende realizar 17 seminários em 16 regionais administrativas do Estado, com público formado por 70% de militares voluntários e 30% de servidores de órgãos públicos voluntários. E, no final de 2009, irá organizar um grande evento estadual aberto ao público em geral, porém com foco nas universidades, onde pretende contatar durante o ano as mais conceituadas para explicar o grandioso trabalho da instituição e despertar o interesse no fortalecimento da Defesa Civil entre o público jovem e premiar as melhores teses sobre Defesa Civil com a publicação oficial desta pelo departamento de Defesa Civil Estadual.
“Todos estas pessoas acima envolvidas trabalham de forma voluntária”, comentou o coronel Kita. Confesso que fiquei estarrecido com esta informação, pois acredito que a Defesa Civil deva ser o pilar de sustentação da segurança pública nas questões socioambientais e que esta atividade profissional deveria ser muito bem remunerada, em virtude da complexidade das ações e do volume de trabalho. Por outro lado, fiquei encantado com a paixão que move um “exército” de pessoas empenhadas em trazer segurança e solucionar de forma rápida e eficaz todo e qualquer acidente, desastre ou catástrofe socioambiental.
Caro leitor, tudo isto nos remete a uma grande reflexão: se o slogan da campanha da Defesa Civil é “Defesa Civil somos todos nós”, deveríamos exercer nossa cidadania e contribuir para profissionalizar esta instituição promovendo a contratação, também, de civis para realizar atividades meio – por exemplo, nas centrais de telemarketing para atender e direcionar ocorrências, equipes de tecnologia da informação para desenvolvimento de software e manutenção dos computadores que devem ser de última geração para evitar panes, vírus, etc. Porém, haverá a necessidade de adequação na profissionalização deste setor, pois atividades podem e devem ser realizadas por civis para que as funções dos militares sejam preservadas nas atividades fim. Pensemos juntos nesta possibilidade, pois fortalecer a Defesa Civil é direito e dever de todos no exercício da cidadania.